Queria me ausentar de 'uma' pra viver outra que fosse menos enfadonha. Um desleixo só e eu seria capaz de re-inventar a história dessa. Mas se por um segundo descuidasse do que é meu, como é que ficaria o 'teu'? Como é que me desprenderia de duas, três, quatro... Pra viver uma?! Uma é pouca coisa pra quem quer descobrir quantas andam fazendo planos, se dividindo, se boicotando, fazendo tripa/ coração pra deixar a fase insonsa, picante. Deixar o trivial, pelo mirabolante...
"- Vou me afundar na lingerie" "- Me jogar no trabalho" "- Festar de quinta a domingo..." "- Ouvir Ramones, Tribalistas e Tom Zé" "- Trocarei a armação dos óculos e cortarei o cabelo" "- Vou ir a costureira e consertar aquela calça que me deixa com a aparência mais jovem"...
Mulher, neura, dor de cabeça, meias no sexto de roupa suja... A preocupação de cada dia é também a de ontem, de hoje e possivelmente a de amanhã.
O problema de se ausentar de uma seria esquecer que dessa única é que surgem minhas mil tentativas de ser cada dia alguém mais pulsante. Alguém que se habilite a forçar, evocar, engrandecer, esmiuçar, aprender, machucar o joelho no guidão da bicicleta e bater o dedinho na quina do criado mudo.
Alguém que pague pra ver!
Deixar que uma só viva, é também matar as outras.
Registro no cartório pra quando uma dessas desmoronar você não olhar pra vida e questionar o que é que houve. No dia que isso acontecer, compadre... Estarão todas no velório!
É bom ser várias, pra não meter a ser uma e esquecer do "- que tal hoje eu ser eu, ela, eu mesma?"
Adorei o texto, Rê...
ResponderExcluirReflexivo e interessante.
Obrigada Claudião. Voltei a postar recentemente... Apareça quando quiser...
ExcluirRenata, escrevi este poema há algum tempo, pensando nessas contradições. Achei que tem a ver com este seu lindo texto, onde a dicotomia presente é a base para um pensamento poético e repleto de alma. Veja se concorda.
ResponderExcluirquantas de mim
Jotacê de Mattos
quantas de mim têm por aí a procurar
um caçador disposto a ser caçado
um amor que possa ser plenamente gozado
sendo dona do nariz
ter um jeito dúbio e feliz
misturar num só corpo
mãe, mulher, amante, meretriz
quantas de mim têm por aí
querendo ganhar um céu de diamantes
desejando ter a segurança
nunca dada às amantes
sem abrir mão da suas conquistas
liberdade, lealdade, vida de artista
quantas de mim têm por aí a esperar
a dor que vem trazer um trovador da noite
travestido de lírico poeta
latino amante que interpreta
um papel, a fantasia
pouco deixa, só a sombra
e a queixa de um mais sonho despedaçado
quantas iguais a mim procuram a sintonia
entre o dever e o desejo de viver a fantasia
de possuir e possuída encontrar
um caçador disposto a baixar
as armas e
tão somente
amar
quantas iguais a mim
são mais a fim é de brigar
para neste mundo louco impor sua vez
e pouco a pouco ir conquistando
esse terreno tão maltratado
pelos homens no passado
quantas de mim têm por aí a dizer
ah! esse seu coração caçador de aventuras
em tantas procuras nunca caçou o meu amor
eu quero milhões de abraços
escutar os passos chegando de madrugada
deixar a casa arrumada
para quem nada irá perceber
mesmo estando nesta vida disputando
um lugar ao sol com o mesmo homem
eu desejo o conforto
ser do homem seu patrão
e ao mesmo tempo entregar meu coração
faça dele o que quiser
e jamais esqueça
frágil é a aparência
o que se esconde
é uma mulher
Beijos